A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por maioria, que não houve falha na prestação de serviços por parte de um banco digital em um caso onde estelionatários usaram uma conta digital para receber pagamentos de vítimas do golpe do leilão falso. Em situações de contas digitais, todos os processos para abertura e operações bancárias são realizados exclusivamente pela internet.
Decisão e Considerações sobre a Verificação de Identidade
Segundo o colegiado, mesmo que a instituição financeira opere apenas no ambiente digital, se ela tiver cumprido adequadamente sua obrigação de verificação e validação da identidade dos titulares da conta, além de tomar medidas para prevenir a lavagem de dinheiro, não há defeito na prestação de serviço que possa responsabilizá-la objetivamente. Contudo, se ficar comprovado que houve descumprimento nas diligências necessárias para a abertura da conta, será considerada uma falha em sua obrigação de segurança.
Análise do Caso Específico
Em um caso específico, um homem acreditou ter adquirido um veículo em um leilão virtual e efetuou o pagamento de um boleto no valor de R$ 47 mil emitido por um banco digital. Após o pagamento, ele não recebeu o carro e percebeu que tinha sido enganado pelos golpistas do leilão falso, que criam sites similares aos de leiloeiros legítimos para fraudar compradores.
Em busca de reparação, a vítima processou o banco digital, alegando que a facilidade excessiva para abrir a conta possibilitou a prática do golpe. O pedido foi rejeitado em primeira instância, com a decisão mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
O TJSP sustentou que a abertura da conta seguiu os procedimentos estabelecidos pelo Banco Central (Bacen) e que a própria vítima não agiu com prudência ao se deixar enganar por uma oferta que estava 70% abaixo do valor de mercado do veículo.
Ao recorrer ao STJ, a vítima argumentou que houve um evento fortuito do banco, uma vez que não foram implementadas as medidas de segurança para evitar a criação de contas digitais por estelionatários. Além disso, ela alegou que o banco deveria ter observado que a transferência realizada por ela era de um valor elevado, considerando o perfil da conta.
Regulamentações e Segurança na Abertura de Contas Digitais
A ministra Nancy Andrighi, que relatou o caso, mencionou que o Banco Central publicou a Resolução 4.753/2019, que estabelece os requisitos que as instituições financeiras devem seguir na abertura, manutenção e encerramento de contas de depósito no meio digital. De acordo com a ministra, essa nova regulamentação, ao contrário da anterior Resolução 2.025/1993, não detalha os documentos e procedimentos exigidos para a abertura de contas digitais, transferindo aos bancos a responsabilidade de decidir o que é necessário para identificar e qualificar o titular da conta, por meio de um processo denominado qualificação simplificada.
Nesse cenário, a relatora enfatizou que, se a instituição financeira adota todos os mecanismos previstos nas normas do Bacen — mesmo que a conta seja utilizada por estelionatários posteriormente — não há falha na prestação de serviços bancários. Segundo Nancy Andrighi, um entendimento diferente, que exigisse documentação ou formalidade específica para a abertura de contas digitais, acabaria distorcendo o objetivo da regulamentação, que é a inclusão financeira da população e o fomento do desenvolvimento econômico e social do país.
No caso em questão, a ministra destacou que, uma vez que o correntista do banco digital era o estelionatário e não a vítima, não se aplica o entendimento de casos anteriores do STJ em que as instituições bancárias foram responsabilizadas devido a transações que não condiziam com o perfil de movimentação dos correntistas.
Leia o acórdão no REsp 2.124.423.