A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o recurso da Equatorial Piauí Distribuidora de Energia S.A. (antiga Cepisa) contra determinação de promover, de imediato, adequações e adaptações para atender às necessidades de pessoas com deficiência que trabalhem em suas instalações. Para o relator, ministro Agra Belmonte, trata-se de uma demanda estrutural, em que o Judiciário deve adotar soluções que modifiquem a realidade a partir de correções na base dos problemas.
Problemas de acessibilidade nos locais de trabalho
Na ação civil pública, o Ministério Público do Trabalho (MPT) relatou que a Cepisa tinha, na época, 33 pessoas com deficiência, algumas com sérias dificuldades de locomoção, lotadas em Teresina e em diversos municípios do estado. No entanto, em diversos locais, havia problemas de acessibilidade.
De acordo com a perícia, a empresa deveria instalar rampas ou plataformas elevatórias em espaços de uso comum, como relógios de ponto, salas de treinamento e setor de saúde, e providenciar sinalização adequada, inclusive de piso, e passagem acessível para locais onde houvesse catracas, entre outras medidas.
Em sua defesa, a Cepisa afirmou que a maioria de suas instalações estava adaptada às necessidades especiais de seus funcionários e que as demais adaptações exigidas em lei estavam sendo implementadas na sede e demais locais.
Com base no laudo pericial, o juízo de primeiro grau e o Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região condenaram a empresa a promover as reformas e as adaptações indicadas no prazo de 18 meses, sob pena de multa.
Leis e tratados internacionais garantem a superação de barreiras
Ao recorrer ao TST, a empresa argumentou que o Poder Judiciário estaria invadindo a competência do Legislativo ao dar uma decisão com comando abstrato, obrigatório e com previsão de sanção, características de lei e que repetem textualmente uma lei formal já existente.
O relator, ministro Agra Belmonte, observou que os tratados internacionais mais recentes sobre direitos das pessoas com deficiência reconhecidos pelo Brasil representam uma mudança de paradigma, pois abordam a deficiência a partir da interação do indivíduo com as barreiras sociais. Ou seja, a existência digna e integrada dessas pessoas depende da superação de diversos obstáculos - materiais e atitudinais - impostos pela própria sociedade, ressaltou.
No Brasil, em complemento às normas internacionais, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI - Lei 13.146/2015) prevê o direito das pessoas com deficiência à adaptação razoável e às tecnologias assistivas e considera discriminação a recusa de seu fornecimento, além de assegurar a esse grupo plena inclusão no mercado de trabalho.
A efetivação desses direitos, conforme o relator, é obrigação concorrente de todos (entes públicos, famílias, empresas, escolas, etc.). No caso em questão, uma vez verificada a falta de acessibilidade e de adaptações razoáveis, cabe ao empregador agir para eliminar as barreiras encontradas e promover a inclusão plena.
Para o ministro, ao contrário da alegação da empresa, a determinação para que se promovam as mudanças não implica afronta à separação de Poderes nem elaboração de lei em sentido estrito. Pelo contrário, a condenação busca assegurar o cumprimento de normas que reconhecem a efetividade horizontal dos direitos humanos e impõem aos diferentes atores sociais, de forma expressa, a obrigação de efetivar os direitos das pessoas com deficiência
Judiciário deve corrigir problemas estruturais
De acordo com Agra Belmonte, a ação do MPT se aproxima do conceito de processo estrutural, em que o Judiciário tem a capacidade de sanar uma situação de ilicitude ou desconformidade continuada por meio de soluções estruturantes, que modifiquem a realidade a partir de correções na base dos problemas. Ele destacou que as demandas estruturais são cada vez mais comuns no Judiciário, como as ações em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que tratam de violações massivas de direitos no sistema carcerário, de letalidade policial e de proteção de comunidades indígenas e quilombolas no contexto da pandemia da covid-19.
Em suma, constatada falha estrutural quanto ao meio ambiente de trabalho das pessoas com deficiência em uma empresa de grande porte, concessionária de distribuição de energia elétrica no Estado do Piauí, compete ao Poder Judiciário atuar para garantir que esse quadro de desrespeito a direitos fundamentais seja prontamente corrigido, de forma ampla e definitiva. A decisão foi unânime.