Recentemente, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deliberou sobre a possibilidade de uso conjunto da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013) e da Lei de Improbidade Administrativa (LIA - Lei 8.429/1992) em uma ação civil pública, desde que as punições referentes às duas leis não sejam idênticas nem baseadas nos mesmos atos.
Decisão do STJ em relação ao recurso da Fetranspor
Com essa perspectiva, o colegiado negou o recurso especial apresentado pela Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor). O processo ainda está na fase inicial, questionando se a organização teria feito pagamentos indevidos ao ex-governador Luiz Fernando Pezão.
O Ministério Público do Rio de Janeiro entrara com uma ação civil pública por improbidade, solicitando também a responsabilização de acordo com a Lei Anticorrupção e requerendo a indisponibilidade dos bens da Fetranspor, estimados em R$ 34 milhões.
Argumentos da Fetranspor e a posição do Tribunal
Alegando que a Lei Anticorrupção foi criada para complementar a LIA, a Fetranspor sustentou que a aplicação conjunta das normas tornaria inviável punir pela mesma conduta. No entanto, o tribunal fluminense decidiu que ambas as leis têm caráter complementar e podem ser aplicadas em conjunto.
Em sua argumentação junto ao STJ, a Fetranspor afirmou que a aplicação paralela das normas contraria o princípio do non bis in idem, conforme estipulado no Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), apontando a possibilidade de dupla penalização pelos mesmos atos.
Pontos considerados pelo ministro Gurgel de Faria
O relator do recurso, ministro Gurgel de Faria, esclareceu que os direitos consagrados no Pacto de San José, apesar de serem parte do ordenamento jurídico brasileiro, não se aplicam a entidades jurídicas. Mesmo que se considerasse o contrário, os argumentos da Fetranspor não eram válidos, pois a convenção não proíbe a utilização de diferentes leis para embasar uma ação judicial, desde que as sanções impostas sejam distintas.
Assim, segundo o ministro, ações que envolvam a mesma conduta podem ser analisadas sob os prismas da improbidade administrativa e da responsabilidade por atos prejudiciais à administração pública, desde que as legislações respectivas não sejam utilizadas para impor sanções equivalentes sobre a mesma conduta.
O ministro ressaltou que, caso no final do processo as sanções da Lei Anticorrupção sejam aplicadas, aí sim seria necessário evitar a imposição de penalidades semelhantes estipuladas na Lei de Improbidade para o mesmo ilícito.
Além disso, ele observou que a questão sobre a possível sobreposição de penalidades deve ser examinada na fase de sentenciamento, onde o mérito e a natureza das infrações deverão ser analisados, não na fase preliminar da ação.
Por fim, Gurgel de Faria enfatizou que o parágrafo 2º do artigo 3º da Lei 8.429/1992 esclarece que penas da LIA não se aplicam a pessoas jurídicas quando o ato de improbidade estiver também em conformidade com as disposições da Lei Anticorrupção.
Concluindo, ele afirmou que a compatibilidade entre as legislações se mantém, desde que, ao final do processo, sejam respeitados os limites legais para evitar que a mesma parte enfrente sanções semelhantes por um ato ilícito único.
Leia o acórdão no REsp 2.107.398.