A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu que uma bancária da Caixa Econômica Federal tem o direito de diminuir sua carga horária de trabalho de 30 para 20 horas semanais, sem qualquer redução em seu salário, para cuidar de seu filho que possui Transtorno do Espectro Autista (TEA). O julgamento foi baseado em princípios constitucionais, tratados internacionais e no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Contexto do Pedido de Redução de Jornada
Ao solicitar a diminuição da carga horária, a funcionária justificou que essa mudança era essencial para que pudesse acompanhar o tratamento multidisciplinar de seu filho. Conforme o laudo médico que apresentou, a criança exigia cerca de 40 horas semanais de terapias, que incluíam psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, fisioterapia e nutrição.
Recurso ao TST e Argumentos Apresentados
No entanto, o pedido foi negado nas instâncias iniciais. O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) alegou que a legislação que prevê jornada reduzida para servidores públicos (Lei 8.112/1990) não se aplica aos trabalhadores da CLT. A decisão concluiu ainda que a carga horária de 30 horas semanais era considerada suficiente para atender às necessidades familiares, além de não ter sido demonstrado que a bancária era a única responsável pelos cuidados da criança.
Insatisfeita, a bancária recorreu ao TST. O relator do caso, ministro Lelio Bentes Corrêa, enfatizou que a Constituição Federal, a legislação naciona e diversos tratados internacionais asseguram a proteção integral das crianças com deficiências e que a família, a sociedade e o Estado devem garantir a efetividade desse direito. Em seu voto, ele também se baseou no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ, que considera as desigualdades enfrentadas pelas mulheres ao equilibrar trabalho produtivo e reprodutivo.
O ministro argumentou que manter a jornada de trabalho atual resultaria em uma carga de 70 horas semanais entre trabalho remunerado e cuidados não remunerados, o que prejudicaria tanto o bem-estar da empregada quanto o do seu filho. Ele observou ainda que é evidente que as responsabilidades familiares geralmente recaem de forma desproporcional sobre as mulheres, o que elimina a necessidade de comprovação específica da condição de cuidadora principal.
A decisão também mencionou a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (que possui status constitucional), a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração de Filadélfia da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Lei 12.764/2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA. Foi ainda citada a Diretiva 1.158/2019 da União Europeia, que orienta a adoção de condições flexíveis de trabalho para pais e mães de crianças com deficiência.
Devido à ausência de regulamentação específica na CLT sobre o assunto, a Turma decidiu aplicar o artigo 98, parágrafos 2º e 3º, da Lei 8.112/1990 por analogia, que se refere à jornada reduzida para servidores públicos nessa circunstância.
Reconhecendo a urgência do caso, o colegiado concedeu uma tutela provisória, determinando a redução imediata da jornada da bancária para quatro horas diárias, mantendo a sua remuneração. Para o ministro Lelio Bentes, permitir que a jornada da mãe seja ajustada às necessidades de seu filho é um requisito fundamental de justiça social e proteção constitucional, evitando a sobrecarga e o adoecimento da cuidadora, além de garantir que a criança com TEA tenha pleno acesso a seus direitos essenciais.
A decisão foi unânime.
Processo: RR-1002222-58.2023.5.02.0511