A Comissão de Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no estado do Rio de Janeiro promoveu na sexta-feira (4) um evento de debate acerca da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 635, também chamada de ADPF das Favelas. Durante o encontro, os participantes celebraram a aprovação do texto pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas expressaram críticas quanto à exclusão de determinados pontos do documento original.
Postura do STF e Expectativas para o Futuro
Na quinta-feira (3), o STF estabeleceu novas diretrizes para reduzir a letalidade policial em ações da Polícia Militar direcionadas ao crime organizado nas comunidades cariocas. Daniel Sarmiento, advogado que protocolou a ADPF 635 pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) em 2019, comentou que as medidas decididas pela Corte têm o potencial de serem adotadas em outras regiões do país e não devem se limitar somente ao Rio de Janeiro. Ele ressaltou a necessidade do uso obrigatório de câmeras nas fardas dos policiais e a supervisão externa do Ministério Público nas operações policiais.
No entanto, o advogado discorda da interpretação da Corte em certos aspectos, especialmente em relação à permissão para o uso de helicópteros. “Não concordo com a decisão de retirar o item que autorizava o uso de helicópteros apenas em situações excepcionais, assim como a proibição do uso de escolas e unidades de saúde como bases policiais. O Supremo teve uma visão diferente. Mas, no geral, acredito que esse processo foi um avanço civilizatório”, avaliou Sarmiento.
Perspectivas de Profissionais do Setor e Medidas Adotadas
Lidiane Malanquini, assistente social e coordenadora do setor de segurança e justiça da ONG Redes da Maré, também destacou que os avanços não foram totalmente satisfatórios. Apesar disso, ela expressou alegria pela mobilização em defesa dos direitos das pessoas que vivem em favelas. “A transformação que almejamos não virá apenas das decisões do STF. No entanto, tivemos progressos em questões fundamentais, que embora pareçam básicas, são vitais para salvar vidas e garantir o funcionamento das escolas”, comentou Lidiane.
José Mariano Beltrame, ex-secretário de Segurança Pública do RJ e um dos criadores das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), expressou um ponto de vista positivo sobre a aprovação da ADPF. Para Beltrame, os moradores de favelas devem ter os mesmos direitos dos residentes de outras áreas da cidade. “Se eu estou seguro, as pessoas que habitam a Maré também precisam estar. Mas como garantir isso se há uma tirania nessa região? Precisamos aumentar a presença policial, mas sem deixar de lado ações sociais que ofereçam oportunidades à comunidade, caso contrário isso terá vida curta. Isso é essencial”, afirmou Beltrame.
Medidas definidas pelo STF:
- Câmeras nas viaturas – Em até 180 dias, o governo do Rio deverá comprovar a instalação de câmeras nas viaturas das polícias Militar e Civil, exceto em atividades de investigação. Câmaras já são utilizadas nas fardas dos policiais.
- Proporcionalidade no uso da força – As polícias devem planejar as operações com antecedência e utilizar força proporcional em cada caso.
- Operações próximas a escolas e hospitais – Deve-se respeitar o uso racional da força, especialmente durante os horários de entrada e saída das aulas.
- Reocupação territorial – Os ministros determinaram que o governo do Rio desenvolva um plano para reocupar áreas controladas por organizações criminosas.
- Morte de policiais e civis – Os agentes devem preservar o local do crime até a chegada de um delegado responsável, e o Ministério Público deve ser notificado imediatamente.
- Ambulâncias nas operações policiais – É obrigatória a presença de ambulâncias nas operações.
- Polícia Federal – O STF ordenou a abertura de inquérito para investigar crimes interestaduais e internacionais cometidos por organizações criminosas atuando no Rio, focando em milícias, tráfico e lavagem de dinheiro.
- Corregedorias das polícias – Estas instituições têm 60 dias para concluir eventuais processos disciplinares relacionados a mortes.
- Buscas domiciliares – Somente devem ser realizadas durante o dia, salvo em situações de flagrante, sem a entrada forçada de policiais.
- Acompanhamento psicológico de policiais – É obrigatório que policiais envolvidos em operações que resultem em mortes participem de programas de assistência psicológica.
- Relatórios de operações policiais – A polícia deve elaborar e enviar um relatório das operações ao Ministério Público.