O Brasil enfrenta sérias barreiras estruturais que resultam em violações de suas obrigações básicas ao não garantir a disponibilidade de aborto legal, conforme afirmado pelo Instituto O’Neill em uma manifestação enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF). Essa situação contraria tanto a legislação nacional quanto as normas internacionais.
Sobre o Instituto O’Neill
Abrangido pela Universidade de Georgetown nos EUA, o Instituto O’Neill é o único colaborador credenciado diretamente pela Organização Mundial da Saúde (OMS), oferecendo assistência em questões legais ligadas à saúde e direitos humanos. Recentemente, o instituto solicitou sua inclusão como amicus curiae em uma ação da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abraco), que busca o reconhecimento de um estado de inconstitucionalidade relacionado ao acesso ao aborto legal no país. O caso está sob a relatoria do ministro Edson Fachin.
Barreiras ao Acesso
Em seu pedido ao STF, o instituto ressalta que a falta de serviços e de profissionais capacitados constitui uma das principais barreiras para o aborto legal no Brasil. Atualmente, existem apenas 88 serviços registrados para a interrupção da gravidez em 55 cidades, representando apenas 4% dos municípios do país. Além disso, não há um único serviço disponível em todos os estados. Por exemplo, o Pará, que possui dimensões continentais, conta apenas com um serviço de aborto legal. O Brasil ainda dispõe de um único programa de telemedicina voltado para este atendimento, localizado no Hospital Universitário de Uberlândia, em Minas Gerais.
Com um número tão restrito de unidades que realizam procedimentos legais, o Brasil descumpre suas obrigações fundamentais, prejudicando também o direito à saúde, à vida, à igualdade e à não discriminação, conforme enfatiza o documento apresentado ao STF.
Adicionalmente, a carência de acesso ao aborto legal é considerada discriminatória em relação a mulheres e meninas, representando uma ameaça à vida desse grupo específico. Segundo a OMS, até 90% das mortes de gestantes no mundo poderiam ser evitadas com serviços como os de aborto legal.
Métodos Ultrapassados
Nos poucos serviços existentes, faltam protocolos adequados para o aborto legal, utilizando métodos que não estão alinhados com as evidências científicas mais atualizadas. Desde 2005, uma normativa do Ministério da Saúde estabelece procedimentos para o atendimento em casos de aborto legal. Contudo, essa norma inclui etapas consideradas vexatórias e que revitimam as mulheres, como a exigência de que a gestante relate o ocorrido em casos de gravidez resultante de estupro, além de assinar um termo de responsabilidade que informa sobre as penalidades por mentir.
As deficiências nos atendimentos relacionadas a protocolos impróprios dificultam que mulheres continuem buscando esses serviços, gerando insegurança e medo, como alerta o instituto. Além disso, muitas mulheres que conseguem acesso ao serviço são submetidas a curetagens, um método ultrapassado, já desaconselhado pela OMS em 2022, devido ao sofrimento que ocasiona e à violação dos direitos humanos.
Descriminalização e Pendente Legislativo
O documento também aponta que, atualmente, há uma única medicação aprovada para induzir o aborto no país, que só pode ser utilizada em ambiente hospitalar. Isso se distancia das recomendações da OMS e evidencia a insuficiência de práticas modernas e adequadas no Brasil. A realidade do país está em desacordo com as orientações internacionais, pois continuam sendo praticados métodos ultrapassados e enfrenta-se a falta de materiais apropriados para a realização do aborto legal.
A ação que trata da ausência de acesso ao aborto legal, protocolada em 2022, está aguardando avaliação desde 2023, quando o ministro Edson Fachin emitiu seu último despacho. O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, já alertou que o assunto ainda não está pronto para julgamento.
A legislação brasileira permite o aborto legal em casos de gravidez resultante de violência sexual ou quando a vida da mãe está em risco. O STF também autorizou a interrupção da gravidez em casos de anencefalia, malformação cerebral do feto.
Um julgamento anterior no plenário virtual, que visava a descriminalização do aborto em qualquer circunstância, foi interrompido após um pedido de destaque do ministro Barroso, fazendo com que o caso fosse retirado da pauta virtual para discussão em plenário físico. Até o momento, não há uma data definida para a continuidade desse julgamento.