Quatro em cada dez advogadas já cogitaram abandonar a carreira

Uma pesquisa realizada com advogadas de todas as unidades da federação revelou que aproximadamente 40% dessas profissionais já consideraram desistir de suas atividades. Este dado foi destacado pela jurista Soraia Mendes, uma das coordenadoras da iniciativa, durante a realização do evento Lawfare de gênero, promovido pelo Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) na terça-feira (24/9). Segundo Soraia, a insatisfação na profissão está intimamente relacionada ao preconceito de gênero: As advogadas estão pensando em desistir devido às violências de caráter institucional e processual que enfrentam no dia a dia.

Preconceito e Violência no Exercício da Profissão

Mendes também mencionou que essas violências são observáveis nos tribunais éticos e disciplinares, assim como nas comissões de prerrogativas, onde as demandas femininas frequentemente não recebem atenção. O resultado da pesquisa originou o conceito de lawfare de gênero, que se refere à utilização do Direito como uma ferramenta de opressão contra as mulheres, seja no contexto de um processo judicial ou na prática da advocacia. Com essa denominação e definição, temos um instrumento para evidenciar a maneira como o Estado marginaliza as mulheres na política, no sistema de justiça e, especialmente, em profissões como a advocacia, comentou Mendes.

Debates Necessários sobre Direitos Femininos

A abertura do evento contou com a fala da 2ª vice-presidente do IAB, Adriana Brasil Guimarães, que enfatizou a importância de discutir esse tema nos espaços jurídicos e buscar soluções que assegurem os direitos das mulheres. Precisamos identificar os mecanismos através dos quais o lawfare de gênero atua e refletir sobre suas implicações. O fundamental é encontrar uma forma de combatê-lo e assegurar um sistema de Justiça que proteja todos os afetados neste País, declarou.

O presidente da Comissão de Estudo e Combate ao Lawfare da OAB/RJ, Luciano Tolla, afirmou que existe atualmente um movimento institucional voltado para a conscientização e enfrentamento do lawfare de gênero. Ele mencionou, por exemplo, a inclusão desse tema nos currículos das faculdades de Direito. Nós, como operadores do Direito, temos a responsabilidade não apenas de estudar e aprofundar o debate, mas também de lutar contra as injustiças persistentes em nossa sociedade, disse o advogado.

Casos Distintivos de Violência de Gênero

A arquiteta Andrea Haas, que é uma das vítimas do lawfare de gênero, compartilhou sua experiência durante o evento, que é considerada a primeira análise de caso na Comissão da OAB/RJ. Casada com o sindicalista ítalo-brasileiro Henrique Pizzolato, acusado de corrupção e lavagem de dinheiro no Mensalão, Andrea também foi implicada no processo. Fui condenada por crime contra a administração pública, embora nunca tenha trabalhado no setor público, sempre atuei como arquiteta autônoma, relatou.

Andrea narrou que Pizzolato foi extraditado da Itália em 2005 e que a Justiça brasileira precisou de autorização do governo italiano para prosseguir com o processo, o que foi negado. O caso contra ele foi encerrado no Brasil, enquanto o meu continuou, mesmo sem evidências de que houvesse dinheiro ilícito nas aquisições feitas. Fui condenada e tratada como criminosa, afirmou a arquiteta. Ela e o relatório da OAB/RJ compreenderam que a ação tinha um viés político, visando atingir o marido: É o que chamamos de perseguição cruzada no contexto do lawfare de gênero. Isso se assemelha à vingança transversa, um conceito utilizado por mafiosos que significa 'atacar alguém por meio de seus familiares'.

Ao comentar o caso, a presidente da Comissão dos Direitos da Mulher do IAB, Rita Cortez, ressaltou que os efeitos da guerra de gênero no sistema de Justiça e na mídia não podem ser desprezados. São vidas destruídas com grandes repercussões para o País, e o mais surpreendente é a falta de percepção sobre isso. Casos concretos nos demonstram a necessidade de lutar contra o lawfare, afirmou a advogada.

A 2ª vice-presidente da mesma comissão, Debora Batista Martins, também defendeu o combate ao lawfare de gênero, promovendo mais estudos sobre o tema e criando um espaço de acolhimento para as vítimas: Notamos a violência processual contra mulheres diariamente, especialmente no Direito de Família. Acredito que a própria comissão da OAB deveria estabelecer um canal de denúncia referente às questões de gênero, sugeriu.

Na opinião da membro da Comissão dos Direitos da Mulher do IAB, Leila Linhares, a sistematização do Direito ao longo da história serviu como uma ferramenta de ataque ao gênero feminino. Ela citou como exemplo o instituto da legítima defesa da honra, pelo qual maridos traídos conseguiam absolvições e penas brandas após assassinar suas esposas. Somente em agosto de 2023, essa tese foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Mesmo após a reforma de 2002, ainda encontramos no Código Penal uma clara intenção de criminalização específica das mulheres, evidenciada pela questão do direito ao aborto voluntário, concluiu a advogada.

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