O ministro Gilmar Mendes, que integra o Supremo Tribunal Federal (STF), tomou a decisão de suspender todos os processos na Justiça brasileira relacionados à legalidade da chamada pejotização, que ocorre quando empresas contratam prestadores de serviços na forma de pessoas jurídicas, a fim de evitar o vínculo empregatício formal.
Decisão do STF e Repercussão Geral
A decisão foi tomada após o Supremo reconhecer, em uma votação realizada no sábado (12), a repercussão geral do Tema 1389. Essa repercussão indica que um caso específico será usado como referência para todas as situações semelhantes, promovendo um entendimento unificado na Justiça brasileira.
Desde 2018, o tema tem gerado conflito entre o Supremo e a Justiça Trabalhista, especialmente quando a Corte julgou inconstitucional uma súmula do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que proibia a pejotização. Naquela ocasião, o Supremo, por maioria, permitiu que tanto empresas públicas quanto privadas pudessem terceirizar suas atividades-fim, além dos serviços de apoio como limpeza e vigilância, o que influenciou centenas de decisões que anularam vínculos trabalhistas reconhecidos pela Justiça do Trabalho.
Impacto da Decisão e Insegurança Jurídica
Para a maioria dos ministros do Supremo, a decisão sobre terceirização representa uma atualização das relações laborais, promovendo uma maior liberdade de organização produtiva e aceitando diferentes formas de divisão do trabalho, conforme destacou Gilmar Mendes. Ao reconhecer a repercussão do tema, Mendes salientou o grande número de recursos, conhecidos como reclamações constitucionais, que chegam ao Supremo para reverter o reconhecimento de vínculos trabalhistas, alegando violação da decisão sobre terceirização irrestrita.
No primeiro semestre de 2024, por exemplo, as duas turmas do Supremo analisaram mais de 460 reclamações que envolviam decisões da Justiça do Trabalho que, em maior ou menor grau, limitavam essa liberdade organizacional. Durante o mesmo período, foram registradas 1.280 decisões monocráticas sobre o tema. Mendes enfatizou que a violação sistemática das orientações do STF pela Justiça do Trabalho gerou um cenário de incerteza jurídica, resultando em um aumento das demandas que chegam ao Supremo, que, na prática, acaba atuando como instância revisional de decisões trabalhistas.
O recurso que servirá de referência trata do reconhecimento de vínculo empregatício entre um corretor de seguros franqueado e uma grande seguradora, mas Mendes ressaltou que uma possível tese de repercussão geral deve abranger todas as formas de contratação de trabalhadores autônomos ou pessoas jurídicas que prestam serviços. Ele enfatizou que é essencial abordar a controvérsia de maneira abrangente, considerando todos os tipos de contratos civis/comerciais, inclusos representantes comerciais, corretores de imóveis, advogados associados, profissionais da saúde, artistas, profissionais de TI, motoboys e entregadores.
Ainda não há uma data definida para que o Supremo coloque o processo em pauta para julgamento pelo plenário. Quando isso ocorrer, os ministros deverão decidir sobre três questões previamente estabelecidas:
- Se a Justiça do Trabalho é a única autoridade competente para julgar causas que discutem fraudes em contratos civis de prestação de serviços;
- Se é legal a contratação de trabalhadores autônomos ou pessoas jurídicas para prestação de serviços, com base no entendimento do STF sobre a terceirização;
- Definir se o ônus da prova de que um contrato de prestação de serviços foi estabelecido para fraudar relações trabalhistas cabe ao empregado ou ao empregador.
Além disso, o tópico da pejotização se relaciona com o fenômeno conhecido como uberização, que se refere à prestação de serviços por autônomos através de aplicativos, como ocorre com motoristas da plataforma Uber. Em fevereiro do ano passado, o Supremo também reconheceu a repercussão geral em um recurso sobre uberização, onde será decidido se há ou não vínculo de emprego formal entre motoristas de aplicativos e as empresas responsáveis pelas plataformas (Tema 1291).