A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ratificou, de forma unânime, a absolvição de quatro indivíduos envolvidos no que ficou conhecido como o Caso Evandro, ao reconhecer que as penas impostas em primeira instância estavam fundamentadas em provas ilícitas, obtidas por meio de tortura.
Decisão do STJ e seus Efeitos
Seguindo o voto do relator, ministro Sebastião Reis Júnior, o colegiado rejeitou o recurso especial do Ministério Público e sustentou o acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), que anulou as condenações de Davi dos Santos Soares e Osvaldo Marcineiro, estendendo os efeitos do julgamento também à corré Beatriz Cordeiro Abagge e aos herdeiros de Vicente de Paula Ferreira.
Implicações e Contexto do Caso
A decisão do STJ reconheceu a ausência de provas contra os réus e ordenou que uma cópia do acórdão fosse enviada ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para que promovam investigações sobre a atuação dos órgãos de persecução criminal e para evitar abusos em investigações futuras, assim como desenvolver estratégias para reparar violações cometidas pelo Estado durante a atividade de investigação.
O Caso Evandro refere-se à morte de Evandro Ramos Caetano, um menino de 6 anos, em 1992, em Guaratuba (PR). O corpo foi encontrado em uma área de mata, apresentando sinais de violência e mutilações. A investigação associou um grupo de indivíduos a supostos rituais satânicos, baseando-se em confissões extraídas sob tortura e registradas em áudio e vídeo pela polícia.
Essas confissões foram empregadas para a pronúncia e condenação no tribunal do júri. Contudo, em 2018, os áudios foram divulgados, levando à abertura de uma revisão criminal que reverteu as condenações.
No recurso apresentado ao STJ, o Ministério Público estadual argumentou, entre outras coisas, que não seria possível rescindir uma condenação do júri popular apenas por reanálise das provas. Para isso, invocou a soberania dos veredictos do tribunal do júri, bem como contestou a extensão dos efeitos da decisão à corré Beatriz.
No seu voto, o relator destacou três pontos principais: tratava-se não de prova nova, mas sim da versão original de material que já constava no inquérito, de cuja autenticidade se reconheceu; a exclusão das provas ilícitas e seus derivados pode resultar na completa ausência de provas e, portanto, autorizar a revisão, como ocorreu no presente caso; e é viável estender os efeitos do acórdão revisional a corrés cuja revisão não foi conhecida, uma vez que se trata de coisa julgada formal e motivação que não é exclusivamente pessoal.
“A pronúncia e a condenação surgiram essencialmente de uma confissão extrajudicial ilícita – obtida mediante tortura – já que os demais elementos probatórios são todos indiretos e não comprovam a autoria, tendo sido coletados apenas para reforçar a confissão”, enfatizou Sebastião Reis Júnior.
A Sexta Turma reafirmou que, excluindo-se as confissões ilícitas e as provas derivadas, restam ausentes elementos que sustentem o veredicto, o que se encontra no artigo 621, I, do Código de Processo Penal, que trata de “sentença contrária à evidência dos autos”. Segundo o relator, trata-se de ausência de provas, e não de mera insuficiência.
O ministro também confirmou que é juridicamente viável beneficiar correus cuja revisão não foi conhecida, quando os fundamentos e a demanda não forem exclusivamente pessoais e se a inadmissibilidade resultou em mera coisa julgada formal. Dessa forma, a absolvição de Davi e Osvaldo foi estendida aos demais em razão da identidade fático-processual e da comunhão de fundamentos.
Leia o acórdão do REsp 2.200.169.