No julgamento da Reclamação Constitucional 64.762 DF em janeiro, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), cassou um acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-10), do Distrito Federal, e afastou o vínculo de emprego entre um empresário dono de corretora franqueada e a franqueadora Prudential, que possui uma rede de franquias. A decisão monocrática do ministro foi confirmada em março pela 2ª Turma do STF.
Descumprimento da ordem do Supremo
Depois da expressa determinação para que proferisse uma nova decisão observando os precedentes e a jurisprudência sobre o tema, a 3ª Turma do TRT-10 decidiu descumprir a ordem do Supremo. Em julgamento realizado no mês de julho, os desembargadores voltaram a reconhecer o vínculo trabalhista do mesmo empresário com a franqueadora.
Críticas e precedentes vinculantes do STF
No julgamento da Reclamação 64.762 DF, o ministro já havia salientado que a decisão da 3ª Turma do TRT-10 havia descaracterizado a relação contratual autônoma ao reconhecer o vínculo de emprego entre as partes, descumprindo as decisões do Supremo acerca da matéria. Gilmar Mendes também fez importantes críticas a algumas decisões da Justiça trabalhista.
“Ao fim e ao cabo, a engenharia social que a Justiça do Trabalho tem pretendido realizar não passa de uma tentativa inócua de frustrar a evolução dos meios de produção, os quais têm sido acompanhados por evoluções legislativas nessa matéria”, afirmou.
Na ocasião, o ministro ressaltou os precedentes vinculantes do STF. “No ponto, destaco que no julgamento conjunto da ADPF 324 e do RE-RG 958.252 (Tema 725), esta Corte reconheceu a inconstitucionalidade do critério de distinção entre atividade-meio e atividade-fim para fins de definição da licitude ou ilicitude da terceirização, afastando, assim, a incidência da interpretação conferida pelo TST à Súmula 331 daquele Tribunal.”
“Dessa forma, os únicos produtos da aplicação da então questionada Súmula 331/TST, no contexto da distinção entre atividade-meio e atividade-fim, mostrou-se ser a insegurança jurídica e o embate institucional entre um tribunal superior e o poder político, ambos resultados que não contribuem em nada para os avanços econômicos e sociais de que temos precisado”, complementou.
Procurada, a Prudential informou que estuda ingressar com outra Reclamação Constitucional para questionar a nova decisão da 3ª Turma do TRT-10. A companhia destaca, ainda, que o caso envolve um trabalhador hipersuficiente, advogado, professor de Direito Administrativo e autor de livro jurídico, ou seja, um profissional plenamente apto a fazer escolhas esclarecidas sobre o modelo de contratação.
Segundo o diretor Jurídico da Prudential, Pedro Mansur, a empresa busca uma pacificação do tema a partir do entendimento estabelecido na jurisprudência reiterada do STF a favor da livre iniciativa e da liberdade ampla de contratação e organização das dinâmicas empresariais. “Até agora, o Supremo já avaliou a tese em 18 oportunidades, sempre reconhecendo a aplicação de seus precedentes vinculantes, justamente diante da ausência de qualquer vício de consentimento, notadamente diante da hipersuficiência dos ex-franqueados, assim como pela observância à natureza empresarial da relação, prevista no caput do artigo 1º da Lei de Franquia”, lembrou.
O advogado João Pedro Ferraz, que representou a companhia no TRT-10, destacou que a decisão desobedeceu, de forma clara, o que foi determinado pelo Supremo. “Isto porque, neste caso específico, o STF deixou claro que o primeiro acórdão, ao declarar a existência de vínculo de emprego entre o franqueado e a seguradora, divergiu das decisões vinculantes proferidas pela Corte acerca da matéria. A adoção do mesmo posicionamento cassado no acórdão anterior, sem o acréscimo de novos fundamentos significativos que justificassem a manutenção do vínculo, cria uma insegurança jurídica no desenvolvimento das atividades empresariais que macula a credibilidade da Justiça do Trabalho e prejudica os jurisdicionados”, acrescentou o sócio do escritório Ferraz dos Passos.
Já o advogado Lucas Rabêlo Campos, que representou a Prudential no STF, afirmou que as decisões do Supremo garantem efetividade aos postulados da livre iniciativa e da livre concorrência da Constituição Federal, identificando a regularidade de contrato de franquia, regularmente celebrado, nos termos da Lei 13.966/2019. “O entendimento pacificado do STF afastou a compreensão de que a relação de emprego é a regra na sociedade e deve ser o modelo privilegiado”, afirmou o sócio do escritório Eduardo Ferrão Advogados Associados.